Friday, 27 November 2009

O sistema em julgamento


Será pura ilusão acreditar que os co-réus no julgamento actualmente em curso, envolvendo o desvio de fundos e bens da empresa Aeroportos de Moçambique (ADM) são os maiores protótipos do flagelo da corrupção oficial em Moçambique.
Na realidade, os 54 milhões de meticais de que são acusados de terem desviado dos cofres da empresa são “peanuts”, se comparados com o volume de roubalheira que ocorre diariamente em todo o sistema de administração pública neste país, desde o topo até à base. Na verdade, o lema aqui é quanto maior o cargo, maiores são as oportunidades de sacar.
E não caiamos na tentação de confundir roubo só com o desvio físico de dinheiro do Estado.
Devemos incluir também o dinheiro que um determinado empresário de competência comprovada não consegue realizar porque alguém com poder sobre mortais decidiu viciar um concurso público para que este seja atribuído a uma empresa da qual ele próprio é sócio, ou que pertença a um amigo ou familiar.
De facto, se o julgamento actualmente em curso fosse representativo de uma atitude sistémica de implacabilidade perante a corrupção, o resultado é que actos desta natureza seriam em número cada vez menor ou não teríamos governo.
A nossa realidade é que a punição por actos de corrupção ou é praticamente inexistente, ou se ocorre, como no caso ADM, é uma questão de azar para os visados. Os que estão no banco do réus hoje não estão lá porque o sistema se tornou tão implacável e impermeável a actos ilícitos dentro do sistema de administração pública. Estão lá porque um deles, irritado com o facto de ter sido afastado da administração da empresa, e consequentemente irradiado de continuar a usufruir de benefícios ilícitos, decidiu entornar o caldo.
Hermenegildo Mavale, antigo administrador financeiro da ADM, não denunciou os seus antigos comparsas por razões éticas ou uma preocupação genuína quanto ao futuro da empresa, como pretendeu fazer crer em tribunal.
A denúncia surgiu porque de repente, e quando muito menos esperava, Mavale perdeu todos os privilégios que a sua posição lhe conferia, o que o deixou de certo modo magoado, colocando-o na rota da vingança. Ninguém é obrigado a cumprir ordens ilegais. Por isso não é admissível que Mavale justifique os seus actos ilegais com base no argumento de que estava simplesmente a cumprir ordens superiores. Ele é cúmplice em todas as operações que realizou enquanto administrador financeiro, e deve responder em juízo não como declarante, mas sim como co-réu.
O que o caso da ADM traz à superfície é a importância de um sistema que limita os privilégios e o poder de acção dos titulares de cargos públicos sobre as entidades por si tuteladas.
António Munguambe, não é o único que se valeu da sua posição para solicitar bolsas de estudo para os seus filhos. Se fosse feita uma auditoria, chegar-se-ia à conclusão de que há tantos outros ministros nas mesmas circunstâncias, que com os salários que auferem não têm capacidade de financiar os estudos dos filhos no estrangeiro.
Há muito mais podridão em toda a cadeia deste sistema. Pelo que não nos podemos regozijar de que a luta contra a corrupção está finalmente a produzir frutos. Se Mavale tivesse sido permitido continuar a compartilhar das ilicitudes em que estava envolvido, a vida hoje continuaria tão normal e tranquila para todos os que hoje estão sentados no banco dos réus.


( Editorial do Savana, citado no Diário de um Sociólogo )

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