Tuesday, 8 September 2009

Scala: o fim de uma pastelaria lendária




A lendária Pastelaria Scala, um local que durante décadas foi um emblemático centro de lazer e de debate de ideias na zona da baixa da cidade, morreu definitivamente. Tudo de forma clandestina. A esperança que ainda subsistia no seio dos citadinos e turistas em ver reaberta aquela estância histórica e de referência da cidade de Maputo esfumou-se quando, após a reabilitação, o edifício do “Scala” foi, contra a vontade de todos nós, “esquartejado” em pequenos compartimentos, ficando na sua maioria como lojas de venda de vestuário e outras bugigangas.
Da venda de pastéis, bolos, chá, café, entre outros itens típicos de uma pastelaria, aquele que era um lugar espaçoso foi hoje reduzido a um conglomerado de lojas e lojecas de roupas e calçado, sendo a mais visível a que ostenta o nome de “Inter Moda”. Esta e mais uma outra loja, também de roupa, são as que por sinal têm abertas as suas portas, não se sabendo até aqui para quando o funcionamento dos outros compartimentos.
O fim do “Scala” constitui, assim, um duro golpe para todos aqueles citadinos que viam naquele restaurante um símbolo desta histórica cidade de Maputo, que vai completar 122 anos no próximo dia 10 de Novembro.
Muitos são os que ainda se recusam a aceitar a transformação daquele local lendário em outra coisa que não seja o famoso café que sempre foi, sobretudo os idosos que guardam recordações da Pastelaria Scala, desde os tempos idos, em que Maputo era ainda Lourenço Marques.
“Isto sempre foi Pastelaria Scala…As pessoas vinham de vários pontos do país, e até de outros continentes, sabendo que em Maputo existe um local chamado Pastelaria Scala…”, eis o coro de vozes que bate contra a mudança deste local histórico.
Após o seu encerramento, no início da década que finda, a esperança da reabertura do “Scala” avivou-se, em Dezembro do ano passado, quando o recinto foi vedado para obras de restauro. Aliás, houve até garantias de que as obras visavam melhorar o edifício para voltar a ser o que desde sempre foi – uma pastelaria de referência na capital e que marcou gerações e povos, porque verdadeiro cartão de visitas da capital moçambicana.
Entretanto, hoje, nota-se que a sociedade foi burlada. Não se venderá pastéis, bolos, chá nem café algum. Comercializa-se, sim, fatos, camisas, calças, sapatos, gravatas e outras coisas que se encontram aos magotes em qualquer esquina da cidade de Maputo.
Contudo, apesar deste abalo, para muitos ainda resta uma ínfima esperança. Há no edifício um minúsculo e insignificante compartimento – que se desconhece a data da sua abertura – onde se prevê que venha a funcionar uma espécie de lanchonete e não propriamente um café.
Antigos utilizadores do lendário “Scala” olham com mágoa a transformação daquele local em lojas de venda de roupas, facto que, segundo eles, mata a história da cidade e deixa a baixa a mais empobrecida sem uma das suas belas referências, o café “Scala”.
Para aqueles cidadãos, dois dos quais trabalham junto ao edifício, nada justifica a mudança de actividade daquele empreendimento. Estes chegaram mesmo a dizer que o ideal seria ter-se reerguido o Prédio Pott, em escombros desde a década 90, e fazer-se nele o que agora se faz no “Scala”.
Entretanto, David Cângua, Director de Turismo na urbe, disse que o Estado não possui nenhum dispositivo legal para obrigar os investidores a seguirem uma certa actividade comercial diferente da que pretendem em nome dos legados históricos da cidade.
Falando, há dias, ao “Notícias”, o director reconheceu que a transformação do “Scala”em lojas de roupas choca com o passado da “cidade das acácias”, mas nada podia fazer-se para evitar isso.
“O investidor queria transformar todo o local em lojas de roupas, mas conseguimos convencê-lo a deixar uma parte para continuar a ser pastelaria. Desta forma evitamos que aquilo morresse totalmente. Fica um Scala em miniatura”, disse.
Não obstante este vazio legal evocado por David Cângua, citadinos ouvidos pela nossa Reportagem afirmam que o Estado e o Município de Maputo têm força e instrumentos suficientes capazes de impedir que qualquer um transforme a cidade naquilo que muito bem pretender. Ademais, dizem os nossos entrevistados, agindo de forma diferente da que agiu, tanto o Estado como o Município estariam a trabalhar para a manutenção da história de uma cidade, pois, justificam-se, “não existe povo sem memórias”.

MATOU-SE UMA REFERÊNCIA - LAMENTAM ANTIGOS UTENTES DO “SCALA”


Vicente Dzimba, ardina junto ao “Scala” desde 1960, e Fernando Sitoe, engraxador na mesma zona a partir da década de 90, mostraram-se agastados com a transformação do local. Recordam-se do passado e revelam uma mágoa pelo cenário actual. Os seus depoimentos à nossa Reportagem têm, dentre vários pontos em comum, o facto de a alteração ter morto a pastelaria que era até ao seu encerramento uma referência para os visitantes e residentes de Maputo.
Vicente Dzimba disse que sendo ardina no passeio junto àquela unidade, sempre usou-a para um chá, sendo que desde o seu encerramento sai de casa, no Bairro da Maxaquene, com um termo e tem que “mendigar” por água quente nas imediações.
“Este sítio sempre foi uma referência. Mesmo hoje passam europeus por aqui e espantam-se com esta transformação”, contou Dzimba, acrescentando em jeito de desabafo: “é chato, vergonhoso e doloroso ver isto, principalmente para quem conheceu e serviu-se do Scala”.
Abordado pelo “Notícias”, Fernando Sitoe foi sintético ao afirmar que “assim é matar a história da cidade”.
Este cidadão, que há cerca de 20 anos trabalha junto àquela antiga pastelaria, explicou que sempre servia-se dos serviços do “Scala” e muitas vezes era chamado a engraxar sapatos dos utentes. Cidadãos de diversos quadrantes do mundo – que fazem de Maputo uma cidade cosmopolita – viam a Pastelaria Scala como postal da urbe e local para recomendar a quem viesse à capital moçambicana.
“Foi-se um emblema da cidade. Perdemos um local histórico”, lamentou, e perguntou “por que é que não reabilitam o Prédio Pott, que só alberga marginais, e vendam roupas nele, deixando-nos o Scala como pastelaria, que sempre foi?”.

LIMITAMO-NOS EM FAZER PROPOSTAS AO INVESTIDOR - DAVID CÂNGUA, DIRECTOR DO TURISMO, TRANQUILIZANDO QUE NEM TUDO ESTÁ PERDIDO


A ideia inicial apresentada era de transformar todo o espaço em lojas de roupa, mas as autoridades convenceram o actual proprietário do imóvel a reservar uma parte – embora minúscula comparativamente à outra – para funcionar como pastelaria. O director do Turismo na cidade explicou que a legislação de protecção histórica da zona da baixa em que se situa o “Scala”, a Lei número 10/88, de 22 de Dezembro, apenas impede a transformação dos desenhos dos edifícios, mas não regula o tipo de actividades a serem levadas a cabo, pelo que só se limitam a dar sugestões do tipo de actividades a ser implementadas.
David Cângua revelou a existência de um vazio legal, daí que o Estado não tem nenhuma base legal para impor o tipo de actividade comercial para certas zonas.
“Limitamo-nos em propor que o investidor siga uma certa actividade, mas nada temos para impor. Neste caso evitamos que a pastelaria morresse definitivamente”, disse, acrescentando que o compartimento reservado àquela actividade possui condições para tal, embora seja pequeno relativamente ao lendário “Scala”.
Dados em nosso poder indicam que o edifício foi vendido há anos pelo então proprietário, Sadik Omar ao Grupo Cannon Impex, que também o terá passado a um tal Momed Arif. A nossa Reportagem tentou em vão ouvir os gestores das lojas.

( José Chissano, Notícias, 08/09/09 )

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