Sunday, 22 June 2008

Marco do correio: Machado da Graça

Olá, Ana Maria!
Como estás tu, minha amiga? E a tua família? Do meu lado, felizmente, estamos bem. Escrevo-te para te falar do grande receio com que continuo a enfrentar a situação nesta nossa zona da SADC.
É que as consequências da grave crise no Zimbábuè continuam a passar por cima das fronteiras dos nossos países, destruindo coisas que levaram dezenas de anos a construir. Primeiro foi a reacção violenta dos pobres sul-africanos, misturados com os marginais e criminosos, contra a entrada massiva de zimbabueanos no seu mercado de trabalho. Agora é a própria SADC que começa a ser ameaçada. Estamos a assistir a uma campanha de Robert Mugabe, dos seus ministros e da imprensa que lhe é fiel, no sentido de insultar Levy Mwanawasa, o Presidente da Zâmbia, e, neste momento, da própria SADC. Com a pouca imaginação de que dispõe, Mugabe acusa Mwanawasa de estar ao serviço dos britânicos contra o Zimbábuè. Tal como o MDC e, ao que parece, a maioria da população zimbabueana. Tudo às ordens do Gordon Brown.
E os nossos países continuam calados perante mais esta atitude irresponsável do ditador de Harare. Foi pena o famoso mímico Marcel Marceau ter morrido aqui há uns tempos. Imagina tu o que ele teria podido conseguir por cá em termos da famosa diplomacia silenciosa... Mas a verdade é que os dirigentes dos nossos países já não parecem, sequer, ter receio do ridículo, nas suas não-atitudes em relação a Mugabe. Calados seguem em frente, num desfile de deficientes sonoros. E foi precisa esta zanga entre Mugabe e Mwanawasa para sabermos que, no Japão, se reuniram os dirigentes da SADC para debater o tema Zimbábuè. E que, no encontro, estiveram presentes o rei da Suazilândia, os presidentes do Malaui, da Tanzânia, de Moçambique, da Namíbia e da África do Sul. E ainda os primeiros-ministros do Lesoto e de Angola e os ministros dos Negócios Estrangeiros da RD do Congo, do Madagáscar e do próprio Zimbábuè. Os nossos jornalistas que por lá andaram deviam estar muito distraídos, pois não me recordo de ter ouvido, ou lido, nada sobre este encontro. E digo que deviam estar distraídos porque não quero sequer pensar que foram proibidos de dar a notícia. Tu também não queres, pois não? Tudo isto porque, como defende Thabo Mbeki, não existe nenhuma crise no Zimbábuè e, em locais onde não existem crises, não se justificam cimeiras para as resolver. A data da segunda volta aproxima-se a passos largos e as consequências do que se vai passar anunciam-se cada vez mais desastrosas. Nada leva a acreditar que qualquer um dos candidatos vá aceitar uma declaração de vitória do outro. E o Governo ilegal de Harare persiste em não permitir a entrada de observadores que não sejam escolhidos a dedo por ele. Até aqui a direcção do MDC tem mantido uma posição de não entrar em confronto violento com as forças fiéis ao Governo, para evitar, de forma inteligente, que este declare o estado de emergência e anule a segunda volta eleitoral. Mas o que acontecerá se, depois das eleições, Tsvangirai sentir que perdeu de forma fraudulenta? Ele e os seus seguidores vão manter-se calmos e aceitar mais alguns anos de sacrifício e de destruição do país?
E o mais estranho é que, numa tal situação, os nossos dirigentes ao mais alto nível andem a saltitar por distantes partes do mundo: do Chile ao Japão, do Vietname aos Estados Unidos, de não sei onde para sítio parecido, como se tudo, na África Austral, estivesse na maior das calmas. Diz-se que a avestruz, quando se sente ameaçada, enterra a cabeça na areia para não ver o perigo e, portanto, ignorar que ele existe. Pois me parece que o número de avestruzes tem crescido imenso nos últimos tempos. Um beijo para ti do
Machado da Graça

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